sexta-feira, janeiro 29, 2010

Destrinçar o estrutural do conjuntural

Concordo globalmente com o teor dos artigos (aqui e aqui) que o Padre Gonçalo Portocarrero tem escrito a propósito da questão dos emparelhamentos homossexuais. De facto, como já sublinhei anteriormente, a partir do momento em que a lei humana positiva deixa de estar subordinada à ordem superior plasmada nas leis divina e moral que a antecedem, fica aberta a porta para o legislador se transformar num demiurgo que supõe com arrogância ter o poder de modificar a verdade e a realidade à medida dos seus caprichos de cada momento. Ora, neste plano, tal como nada o impede de decretar hoje que o casamento possa ser uma união entre duas pessoas do mesmo sexo, nada o impedirá de determinar amanhã que casamentos possam ser também as uniões entre três ou mais pessoas de qualquer sexo, as relações incestuosas, de pederastia e bestialidade, porquanto o único limite à vontade do dito legislador passa a ser a capacidade de alcance da sua imaginação perversa. E eis como em nome da liberdade humana é criado um mecanismo totalitário que nega essa liberdade da forma mais absoluta e que, num plano diverso mas paralelo ao que agora analiso, conforme outros já alertaram, trar-nos-á igualmente a liberalização total do aborto até aos noves meses da gravidez, o infanticídio discricionário de recém-nascidos, a eutanásia arbitrária de doentes e idosos, e, enfim, a perseguição pública do Catolicismo.

Por outro lado, não tenhamos a ilusão de que o actual poder político socialista socrático age deste modo com o fito de desviar a atenção da chamada opinião pública da situação calamitosa em que o país se encontra ao nível económico, financeiro e social. Supor tal é um erro em que incorre a falsa direita dos interesses, em Portugal personificada no PSD e CDS, adversa a combater numa guerra cultural cuja importância a sua tacanha mentalidade materialista de guarda-livros não atinge de todo em todo, parecendo incorrer no mesmo erro, ainda que apenas em parte, num dos seus artigos, o próprio Padre Gonçalo Portocarrero. Repito: não tenhamos tal ilusão! Bem pelo contrário, o poder socialista age com plena consciência e sem intenções secundárias. O seu objectivo principal é simples, directo e imediato: erradicar o que ainda resta por inércia da antiga ordem social cristã e substitui-la por uma nova ordem social jacobina e anticristã. De outro modo, como compreender a revolução imoral sofrida por Portugal, no curto período de quatro anos, com a consagração legislativa sucessiva do aborto a simples pedido, do divórcio por vontade unilateral de um dos cônjuges, da amoral instrução sexual nas escolas com distribuição gratuita de preservativos e anticonceptivos, e do emparelhamento de homossexuais?

Passo a relembrar uma verdade esquecida pela maior parte dos católicos contemporâneos estupidificados pelas heresias modernista e progressista, mas não olvidada pelos inimigos destes: a história, toda a história, é um combate religioso permanente entre dois exércitos personificados na cidade de Deus e na cidade dos homens, os quais se enfrentam numa luta sem quartel nem tréguas. É neste contexto que tem de ser percebida a ofensiva socialista, tanto mais que os mentores efectivos desta sabem que o seu tempo começa a escassear, pois o regresso do Rei aproxima-se, como o indiciam todos os sinais exteriores do mundo contemporâneo, desde a sucessão de catástrofes naturais que têm vindo a ocorrer nos anos mais recentes (a última, o terramoto haitiano) até à apostasia generalizada das sociedades ocidentais outrora cristãs (o esfriamento da caridade entendida cristãmente como a atracção irresistível pela verdade).

Deste modo, há que destrinçar o estrutural do conjuntural: o défice orçamental, o endividamento externo, o desemprego, as condições de vida muito difíceis de parte não despicienda da população portuguesa são problemas gravíssimos, frutos eles próprios da terrível desordenação anticristã da nossa sociedade dominada pela agiotagem e ganância, mas apesar de tudo reversíveis e solucionáveis com um maior ou menor esforço colectivo; porém, muito pior é o roubo da nossa essência mais profunda, da nossa alma, contra a qual acomete o poder socialista, pois esse é irreversível e fatal. Não permitamos que o mesmo suceda!

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