sábado, maio 05, 2007

A Restauração do Santuário Católico


Ensina o Papa Pio XII, na encíclica "Mediator Dei", de 1947: "É certamente coisa sábia e louvável retornar com inteligência e com a alma às fontes da sagrada liturgia, porque o seu estudo, reportando-se às origens, auxilia não pouco a compreender o significado das festas e a penetrar com maior profundidade e agudeza o sentido das cerimónias, mas não é certamente coisa tão sábia e louvável reduzir tudo e de qualquer modo ao antigo. Assim, para dar um exemplo, está fora do caminho quem quer restituir ao altar a antiga forma de mesa; quem quer eliminar os paramentos litúrgicos de cor negra; quem quer excluir dos templos as imagens e as estátuas sagradas; quem quer suprimir na representação do Redentor crucificado as dores acérrimas por ele sofridas; quem repudia e reprova o canto polifónico, ainda quando conforme às normas emanadas da Santa Sé".

Apesar deste alerta do último grande Papa contra o "arqueologismo" que ao tempo já se fazia sentir na Igreja Católica, e que à maneira protestante consiste na tendência para a recuperação de todo um conjunto de práticas da Igreja e dos cristãos dos primeiros tempos sem qualquer outra razão que não seja a de serem desses tempos, como se porventura a Igreja houvesse subsequentemente deixado de ser inspirada pelo Espírito Santo e não tivesse gozado mais da sua iluminação no processo de desenvolvimento orgânico que encetou para práticas formalmente mais perfeitas e conformes à doutrina cristã, o dito "arqueologismo" acabou por vir a ter plena consagração no pós-concílio V2, por força da hermenêutica de ruptura com a tradição que o espírito por este gerado provocou.

Mau-grado as constituições e decretos conciliares nada estipularem directamente a favor da imposição do altar em forma de mesa; da supressão dos paramentos pretos; da exclusão de imagens e estátuas das igrejas; da eliminação da representação de Cristo crucificado; ou da desaparição do canto polifónico; tudo isso na prática veio a suceder, por mor da tendência arqueologista, mero pretexto para mal disfarçadamente imbuir o Catolicismo de um odor de protestantismo herético e aproximá-lo dos erros deste, quando não fundi-lo com ele em sincretismo ecuménico.

Assim, no caso do regresso aos altares em forma de mesa, à maneira do que sucedeu com a reforma litúrgica anglicana imposta por Cranmer em Inglaterra, percebe-se bem intenção dos promotores de tal medida: destruir um fortíssimo símbolo da dimensão sacrificial da Missa, tradicionalmente entendida como sendo a renovação não-sangrenta da morte de Cristo na Cruz (a vítima sacrificial por excelência, expiatória e propiciatoriamente oferecida no altar a Deus Pai pelo sacerdote oficiante), e afirmando-a antes como uma mera refeição memorial da morte e ressurreição de Cristo feita exactamente à volta de uma mesa, onde se comemora a aliança que Deus selou com cada um e todos os homens redimidos em definitivo por força de um acto de amor gratuito de sua livre iniciativa, sem que a humanidade de Cristo tivesse de satisfazer a ira divina provocada pelos pecados dos mesmos homens, já que um Deus bom dispensa sacrifícios e não condena ninguém (e um Deus justo?...).

Ora, em nome desta substituição dos verdadeiros altares católicos por pseudo-altares em forma de mesa, na totalidade do mundo católico assistiu-se a uma depredação que só tem paralelo histórico anterior na fúria devastadora da reforma protestante, especialmente a ocorrida na Inglaterra do século XVI: a pretexto da implantação das pretensas inovações pós-conciliares, nos anos 60/70 e ainda em frente, os modernistas e os progressistas vandalizaram a quase totalidade dos santuários das igrejas, arrasando os altares sempre que puderam e colocando em seu lugar mesas mais ou menos requintadas, de madeira ou pedra, costumeiramente acompanhadas de três irritantes cadeiras que aproximam os antigos santuários católicos das tribunas de presidência das lojas maçónicas, ademais de terem erradicado as antigas balaustradas de comunhão, já que o homem moderno comunga de pé, de preferência na mão, e não de joelhos.

Se no seu extremo, apesar de tudo, esta tendência destrutiva foi pouco sentida em Portugal, com excepção da introdução da "mesa de Cranmer" nos santuários, a mesma tornou irreconhecíveis os interiores das antigas igrejas de países como França, Bélgica, Holanda, Alemanha ou Estados Unidos, mutiladas para lá do que é concebível ao bom senso católico; contudo, por cá sofremos a outra praga que a reforma litúrgica conciliar trouxe: a da nova arquitectura religiosa cristã.

Igualmente a partir dos anos 60/70, projectadas por arquitectos adeptos do progressismo radical cristão, como Nuno Portas ou Nuno Teotónio Pereira, ou do comunismo marxista-leninista como Siza Vieira, começaram a ser construídas nos principais centros urbanos e seus arredores as novas igrejas, caracterizadas por uma frieza e fealdade extremas, despojadas de reverência, desprovidas de dignidade, e desguarnecidas de qualquer atmosfera de sagrado, as quais são afinal a expressão material da nova liturgia pós-conciliar, mais salas de reuniões centradas no homem e para o homem, e menos locais de adoração de Deus e de renovação constante do sacrifício do calvário. A esta leva pertencem a Igreja do Sagrado Coração de Jesus de Lisboa (ver I, II e III), projectada por aqueles dois primeiros arquitectos, ou o mamarracho de Marco de Canaveses (a impropriamente denominada Igreja de Santa Maria - ver IV e V), da autoria do terceiro deles.

Sem prejuízo, também neste campo, o cada vez mais vigoroso movimento católico tradicional tem sabido contrabalançar as tendências daninhas dos modernistas e progressistas, defendendo com primor os cânones da ortodoxia tradicional que devem imbuir a arquitectura sagrada, propondo não só projectos inteiramente novos inspirados por aqueles (ver VI e VII), mas também planos de renovação das más infra-estruturas recebidas dos anos pós-conciliares e de conformação das mesmas com a tradição (ver VIII, IX e X). Neste campo, pelo papel fulcral que tem desempenhado no desmontar das mentiras que os modernistas e progressistas espalharam sobre o assunto, bem como das supostas exigências decorrentes das constituições e decretos do V2, destaque-se o notável trabalho de Michael S. Rose - responsável pelo sítio "Archittetura della Chiesa" - e os importantes livros que acerca do tema tem publicado - "Ugly as Sin", "The Renovation Manipulation" e "In Tiers of Glory".

E termino como comecei, com os altares e um pequeno filme em que se demonstra como a devastação progressista pode ser revertida num ápice e com determinação…

0 comentários: