quarta-feira, outubro 19, 2005

Impressões de Paris

- 12 de Outubro, Missa Solene em Saint Nicholas du Chardonnet. Apesar de ser final de tarde de um dia útil, a belíssima igreja parisiense tinha cerca de dois terços da sua lotação ocupada, boa parte dela por jovens, que os modernistas bem gostariam de ver presentes nos seus enfadonhos e paupérrimos serviços religiosos. Contudo, que pode um rito totalmente artificial, nascido torto e nunca endireitado, contra o rito latino-gregoriano de sempre e de todos os santos, quinze vezes secular, e que expressa, com toda a reverência e sacralidade, a grandiosidade da fé católica? Depois de hora e meia de intensa espiritualidade, para a qual o latim, o incenso, a música de órgão, e o cântico gregoriano deram uma poderosa ajuda, e sem que ninguém arredasse pé ou mostrasse enfado, a Missa terminou com fiéis a cantarem o "Ave de Fátima" em francês; alguns, porém, e não apenas eu, como o confirmaram os meus ouvidos, fizeram-no em português.

- Nos dias seguintes, estive de novo em Saint Nicholas: numa delas, enquanto se celebrava a Missa no altar-mor, constatei que num dos altares laterais, exactamente o dedicado a São Nicolau, se rezava simultaneamente outra Missa. Contrariando-se o abuso modernista das concelebrações, reafirmava-se assim a boa doutrina tradicional sustentada pelo Papa Pio XII, na encíclica "Mediator Dei": "Toda a vez, com efeito, que o sacerdote repete o que fez o divino Redentor na última ceia, o sacrifício é realmente consumado e tem sempre e em qualquer lugar necessariamente e por sua intrínseca natureza, uma função pública e social, enquanto o ofertante age em nome de Cristo e dos cristãos, dos quais o divino Redentor é Cabeça, e oferece a Deus pela Santa Igreja Católica e pelos vivos e defuntos. E isso se verifica certamente, quer assistam os fiéis - e desejamos e recomendamos que estejam presentes numerosíssimos e fervorosíssimos - quer não assistam, não sendo de nenhum modo requerido que o povo ratifique o que faz o sagrado ministro". Quantas mais Missas ditas, tanto melhor!

- Por contraposição, para além da passagem sempre obrigatória por Notre-Dame, visitei mais duas igrejas: Saint Roch, nas Tulherias, e Saint Paul et Saint Louis, no Marais. Ambas erigidas em magnífico estilo neoclássico, a segunda na sua variante triunfal jesuítica, o interior delas é uma autêntica metáfora do que o modernismo fez ao Catolicismo: apesar de ser ainda bem visível a sua grandiosidade de antanho, mostram-se terrivelmente vazias, desmazeladas, desprezadas e envelhecidas. As capelas laterais abandonadas, os confessionários transformados em locais de arrecadação, as imagens e pinturas em notória deterioração, pairando no ar um estado geral de degradação. Em Saint Roch, foi-me especialmente penoso ver um lindíssimo altar-mor privilegiado, encimado por uma impressionante escultura maneirista da Sagrada Família, votado ao ostracismo em nome da infame reforma litúrgica, com o seu santuário profanado por um nojento caixote de madeira forrado em veludo vermelho, que supostamente faz as vezes de mesa nas refeições memoriais modernistas.

- Não conhecia a Librairie France Livres, na Rua du Petit Pont, na Rive Droite, situada praticamente ao lado da Catedral de Notre-Dame, e que encontrei por mero acaso e em boa hora. É excelente, guarnecidíssima de obras de autores católicos tradicionais, monárquicos e contra-revolucionários, motivo por que só posso recomendar vivamente aos que me lêem que a visitem, quando tiverem oportunidade para tal. Realço o facto de este ser um local de difusão das Editions Saint-Remi, que cumprem a notável missão de tornar acessíveis ao leitor contemporâneo autores como Monsenhor Delassus, Monsenhor Gaume, o Cardeal Pio, ou os irmãos Augustin e Joseph Lémann, todos verdadeiras figuras de proa da reacção católica antiliberal e antimodernista de finais do século XIX, começos do século XX.

- Inevitável era passagem pela Duquesne Diffusion, no número 27, da Avenue Duquesne, localizada entre os Inválidos e a Torre Eiffel. Nesta ocasião, tal como já havia acontecido na France Livres, sofri um autêntico ataque de prodigalidade aquisitiva de livros, apenas limitado pelo espectro das taxas aeroportuárias de excesso de bagagem. De qualquer modo, entre outros, trouxe "La Nouvelle Messe", de Louis Salleron, "Socialisme Maçonnique", de AG Michel, "Historiquement Correct", de Jean Sévillia, "L'Utopie - Éternelle Hérésie", de Thomas Molnar, e "Vérités Sociales et Erreurs Démocratiques", de Monsenhor Henri Delassus.

- Muito interessante a reedição de um livro datado de 1922, escrito por um jornalista chamado Michel Paillarés, e intitulado "Le Kémalisme devant les Alliés", editado pelo "Cercle D'Écrits Caucasiens", dirigido pelo arménio Hratch G. Bredossian. Na faixa que cobre a respectiva capa e o anuncia, o seguinte texto desse autor: " La turcomanie est une sorte de maladie qui envahit le cerveau et le coeur; ceux qui en sont atteints perdent toute raison et toute sensibilité. Ces détraqués trouveront naturel que la France couvre de fleurs les Talaat, les Enver, les Djemal et les Moustafa, qui l'ont couverte d'outrages et criblée de blessures". Há males que vêm de longe...

- Apesar de já ter estado anteriormente na capital francesa, só desta vez me enchi de coragem e dirigi à Praça da Bastilha. Ao olhar para a célebre coluna, e vendo no seu topo o "Portador da Luz", fui imediatamente invadido por uma terrível dor de cabeça. Má ideia esta de ter ido à Bastilha, pois.

- De resto, Paris é sempre Paris. Sentado na esplanada de um café, com um cálice de conhaque à frente e um livro de Leonardo Castellani para ler, completamente despreocupado em relação a quase tudo o que me rodeia ou passa, que mais posso querer? Mesmo neste mundo, às vezes, sinto uns laivos de felicidade…

JSarto

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