sexta-feira, abril 15, 2005

Sobre o pontificado de João Paulo II

Apesar de toda a simpatia e carinho que sentíamos pela figura do Santo Padre João Paulo II, e da tristeza que nos causou o seu desaparecimento, nem por isso tal circunstancialismo impede que, neste período de luto oficial na Igreja, analisemos o seu pontificado a partir da perspectiva católica tradicional de que este espaço se reclama, separando a pessoa do Papa das suas obras.

Contrariamente à ideia feita nos meios oficiais da Igreja - "Santo subito!" -, e curiosamente repercutida pela comunicação social de referência, não podemos aceitar a tese de que o mandato papal de Karol Wojtyla tenha sido brilhante e grandioso. Na verdade, João Paulo II não foi nenhum São Pio V ou São Pio X, sequer um Leão XIII ou Pio XII: os vinte seis anos e meio em que chefiou a Igreja, para além das aparências exteriores, ficaram marcados pela permanente degradação da instituição eclesial, e pela perda do prestígio e respeito que a mesma havia acumulado durante o século e meio que precedeu o Concílio Vaticano II, tudo num processo de autodemolição sem paralelo numa História bimilenar, e que o Sumo Pontífice notoriamente não conseguiu inverter.

Factos concretos? Por exemplo, a queda abissal da prática religiosa na generalidade das sociedades outrora católicas, mormente ao nível da frequência da Missa Dominical e do sacramento da Penitência; a redução para níveis mínimos das vocações religiosas, em resultado da heterodoxia doutrinária reinante em boa parte dos seminários e institutos religiosos, e da perseguição que neles é feita a quem ousa defender a ortodoxia; o sobraçar pela maioria dos Bispos, do restante clero, e de boa parte dos próprios leigos, de um estranho misto doutrinário de modernismo herético e de progressismo marxista, em total contraposição ao magistério tradicional; a perpetuação dos abusos litúrgicos sem que Roma tenha alguma vez demonstrado vontade prática, e não apenas teórica e retórica, de lhes pôr cobro; a situação de cisma prático em que os Bispos de países como os Estados Unidos, a Holanda, a Bélgica ou a Alemanha se encontram face à primazia romana, não hesitando em desafiar e desobedecer à legítima autoridade papal em matérias de fé e moral; a perda da santidade e exemplaridade de costumes dos religiosos seculares e regulares, traduzida não só pelos abjectos escândalos pedófilos homossexuais, mas sobretudo pelo encobrimento que deles a todo o custo tentou fazer uma hierarquia religiosa venal e corrupta, muito especialmente nos Estados Unidos; enfim, a ostracização dos católicos defensores da tradição, e a infame marginalização da Missa perpetuamente válida e irrevogável de rito latino-gregoriano.

Ora, pretendemos dizer que João Paulo II foi responsável por todo este estado de coisas?... Evidentemente que não! Porém, no fundamental, o Santo Padre condescendeu muito para além do tolerável com tal circunstancialismo, em sucessivas omissões com custos gravosíssimos para a Igreja.

De resto, algumas das suas principais e mais notórias acções afastaram-se decisivamente da tradição em pontos fulcrais, ajudando a espalhar a dúvida e a incerteza entre os fiéis. Relembremo-nos da confusão que no seu magistério se fez permanentemente entre os conceitos de "liberdade religiosa" e "tolerância religiosa"; do ecumenismo mal-são que promoveu, fomentador do indiferentismo e do relativismo religioso; da visão colegial com que encarou o Papado, entendendo o Bispo de Roma como mais um entre os restantes Bispos, o que ajuda a compreender em não despicienda parte a condescendência referida no parágrafo anterior; enfim, de ter constantemente pactuado com as extravagâncias litúrgicas nas múltiplas viagens que efectuou à volta do mundo.

Não nos alongaremos mais nesta temática. Outros já a analisaram antes, com muito mais habilidade e talento do que nós; limitar-nos-emos a remeter para um livro cuja leitura recomendamos vivamente, da autoria de dois autores católicos tradicionais norte-americanos - "The Great Façade", de Christopher A. Ferrara e Thomas E. Woods, Jr.

Sem prejuízo de tudo o que dissemos até agora, se por vezes demais João Paulo II pareceu comprometer a tradição, no absolutamente imprescindível salvaguardou com denodo notável a fé e moral católicas, erguendo-se em principal adversário da guerra cultural que o esquerdismo niilista declarou contra os valores basilares do Ocidente. Elogiemos, pois, o combate sem concessões que dirigiu contra o divórcio, o aborto, a eutanásia, a homossexualidade e as uniões legais entre pessoas do mesmo sexo, em defesa da família e da vida, em suma, das leis divina e moral, e da ordem natural superior a elas adstrita. Em tal combate, teve João Paulo II o ponto mais saliente do seu pontificado!

Outrossim, saudemos o nunca ter condescendido com as correntes modernistas radicais de Judas Iscariotes que intimamente só desejam a destruição do Catolicismo; o ter sempre recusado firmemente a efeminização da Igreja, mediante a ordenação sacerdotal de mulheres; o ter implodido, ainda que só parcialmente e sem a firmeza necessária, a pretensa "Teologia da Libertação", bem como ter desmascarado os agentes comunistas que a promoviam.

Em tudo isto, o melhor legado de João Paulo II à Igreja, e que certamente virá a desempenhar papel de referencial fulcral nos tempos que se avizinham.

Que descanse em paz o Santo Padre!

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