terça-feira, abril 13, 2004

As duas democracias

Entre as nossas leituras de Páscoa, incluiu-se o excelente livro de Jean Madiran, "Las Dos Democracias", tradução do original francês publicada pela Editorial Iction, de Buenos Aires, no já distante ano de 1980.

Nesta notável obra, o autor abana violentamente um dos bezerros de ouro mais intocáveis do mundo moderno, ou seja, a democracia, analisando-a à luz do pensamento católico tradicional. De acordo com este último, aquela é apenas uma das formas de regime através dos quais uma sociedade se pode organizar politicamente, mas não a única possível ou legítima para o efeito.

Efectivamente, a legitimidade de um regime político não se afere pela mera lei da quantidade ou do número de votos obtidos num acto eleitoral - as mais das vezes condicionado pela força do dinheiro, pervertido pela intervenção de discretos lóbis e subtis grupos de pressão, e, enfim, subvertido pelos fazedores de opinião publicada -, mas pela conformidade da sua praxis com a lei divina revelada e, consequentemente, com a lei moral natural, ambas precedendo a lei humana positiva, que com aquelas duas se deve conformar.

Desta maneira, a democracia, se entendida no sentido clássico (ateniense) do termo, isto é, tão-só como a escolha directa dos governantes pelos governados, desde que limitada por aquelas realidades que lhe são superiores - a lei divina revelada e a lei moral -, é uma das formas de governo admitidas pela doutrina católica tradicional, conjuntamente com a monarquia e a aristocracia. Independentemente da forma concreta que cada sociedade em dado momento da sua evolução histórica adopte, todas elas estão subordinadas a uma doutrina única que lhes é comum, prévia e superior, pois existe um só e só um ensinamento universalmente verdadeiro sobre realidades tão específicas como a família, a propriedade, a justiça, o bem e o mal.

Pelo contrário, a democracia moderna, nascida da convulsão revolucionária de 1789, idolatrizando a vontade ilimitada do homem, a qual é erigida em estalão único de legitimidade política e sem quaisquer barreiras que se lhe possam eficazmente opor (os limites constitucionais são uma mera ficção, passíveis de revisão a qualquer momento, submetidos que estão também àquela vontade ilimitada), vem a constituir afinal uma efectiva ditadura do relativismo ético-moral, uma opressão da verdade e, na sua forma mais pura e radical, um totalitarismo niilista que não hesita - nada paradoxalmente, ao contrário do que é costume supor-se - em eliminar todos os que com ele não se conformam, como o comprova à saciedade a História dos últimos duzentos anos, se lida com olhos de ler.

E, evidentemente, esta segunda forma de democracia não só não merece minimamente o assentimento do pensamento doutrinário católico tradicional, como na sua forma extrema é por ele expressamente condenado. Assim, na encíclica "Quanta Cura" (1864), Pio IX sustenta que "(…) não é verdade que a vontade do povo, expressada através da opinião pública ou por qualquer outro modo, constitua a lei suprema, independente de todo o direito divino ou humano".

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